Entrevista – GUILHERME DE ALMEIDA, educador e presidente da Autistas Brasil – Jornal do Commercio

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Caderno B

Jornal do Commercio

“Essa abordagem, que vê o autismo apenas como uma condição a ser tratada ou corrigida, está em total desacordo com os avanços que a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, trouxe para a nossa sociedade”

Guilherme de Almeida, pesquisador da Unicamp

Manaus, 17 a 19 de agosto de 2024

Entrevista – GUILHERME DE ALMEIDA, educador e presidente da Autistas Brasil

Não bastasse viverem num mundo só deles, os autistas ainda encontram pela frente pessoas que não conseguem entendê-los

“Autista, uma pessoa única’

EVALDO FERREIRA

@evaldo.amx @JCommercio

O educador e pesquisador da Unicamp, Guilherme de Almeida, também presidente da Autistas Brasil (Associação Nacional para Inclusão das Pessoas Autistas), levou à Câmara dos Deputados, em Brasília, dois temas relacionados aos autistas: educação e saúde. Segundo Guilherme, que é autista, crianças e adolescentes que sofrem desse transtorno, nas duas situações, estão sendo desrespeita- dos, conforme falou ao Jornal do Commercio, na entrevista a seguir.

Jornal do Commercio: Quais motivos estão sendo levados à Câmara dos Deputados pela Autistas Brasil?

Guilherme de Almeida: Estamos levando uma preocupação com a elaboração de projetos de lei que ainda seguem uma perspectiva patologizante do autismo, baseada no modelo médico de deficiência. Essa abordagem, que vê o autismo apenas como uma condição a ser tratada ou corrigida, está em total desacordo com os avanços que a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, internalizada no Brasil com status constitucional, trouxe para a nossa sociedade.

Jornal do Commercio: Quem está violando esses direitos da pessoa autista?

Guilherme de Almeida: Essa violação se manifesta de várias formas, desde a superproteção até a exploração descarada. A sociedade como um todo mantém um olhar equivocado em relação ao autismo. Muitas vezes, essa perspectiva se traduz em uma abordagem de superproteção e tutela que, apesar de parecer bem-intencionada, acaba por limitar a autonomia e a capacidade de autoexpressão dos autistas, além disso, existem aqueles que veem o autismo como uma oportunidade de exploração, tratando-nos como uma commodity. Enxergam o autismo não como uma condição humana que requer compreensão e apoio, mas como uma fonte de lucro.

Jornal do Commercio: Quais são os direitos dos autistas?

Guilherme de Almeida: As pessoas autistas devem ter a liberdade de tomar decisões sobre suas próprias vidas. Quando a sociedade tenta controlá-las ou fazer escolhas por elas, está negando sua autonomia e capacidade de viver suas vidas da maneira que desejam; direito à educação inclusiva; direito ao trabalho. Autistas precisam encontrar e manter empregos que respeitem suas habilidades e ofereçam as acomodações necessárias; direito à saúde. Autistas têm o direito de acessar cuidados de saúde que respeitem suas necessidades específicas e tratem-nos com dignidade; direito à vida comunitária, para que possam participar plenamente da sociedade.

Jornal do Commercio: Existem profissionais que estão usando métodos errados para tratar de crianças e adolescentes autistas? Quais são esses métodos? O que podem acarretar?

Guilherme de Almeida: Infelizmente existem profissionais que utilizam métodos inadequados e até prejudiciais ao tratar crianças e adolescentes autistas. Alguns usam terapias aversivas, que envolvem punição para tentar modificar comportamentos. Esses métodos são extremamente danosos, causando traumas profundos, ansiedade e uma deterioração significativa à da autoestima e confiança dessas crianças. Outro método problemático é a aplicação indiscriminada de abordagens baseadas em recompensas. Há também o uso inadequado de medicamentos, muitas vezes prescritos sem uma avaliação completa e contínua das necessidades individuais.

Jornal do Commercio: Como identificar uma criança autista, muito embora existam pais que não aceitam ter um filho autista?

Guilherme de Almeida: Primeiro, é importante observar a comunicação e a interação social. Crianças autistas geralmente têm dificuldade em manter ou iniciar conversas, podem evitar contato visual e não responder ao seu nome, têm dificuldade em entender ou usar gestos e expressões faciais, têm comportamentos repetitivos, insistência em rotinas rígidas, fixação em interesses específicos, como números e idiomas, e resistência a mudanças na rotina. A aceitação, pelos pais, é o início do desenvolvimento, a negação é sempre fonte de dor.

Jornal do Commercio: Você é um autista, e seus pais não sabiam. Como descobriram e como você conseguiu superar essa barreira?

Guilherme de Almeida: A descoberta da minha condição aconteceu durante meu mestrado. Uma professora de

educação especial sugeriu que eu fizesse uma avaliação psicodiagnóstico. Fiquei surpreso, mas procurei ajuda profissional. O diagnóstico veio e, no começo, foi difícil de aceitar. Me perguntei: como tantos profissionais não haviam percebido isso antes? Superar essa barreira envolveu muita reflexão e a aceitação. A partir daí, decidi usar minha experiência para ajudar os outros, criando um coletivo na Unicamp e posteriormente fundando a Autistas Brasil. Hoje somos quase 5.000 pessoas em todo o país.

Jornal do Commercio: O que você tem a dizer para pais inexperientes que têm filhos autistas e não sabem o que fazer para educá-los?

Guilherme de Almeida: É natural sentir-se perdido diante de algo novo e desconhecido. É essencial que você veja seu filho como uma pessoa única, com seus próprios talentos, interesses e maneiras de interagir com o mundo. Não permita que o diagnóstico defina quem ele é ou limite seu potencial. Aproxime-se do seu filho com paciência e empatia. Escute-o ativamente, mesmo quando as palavras falham, porque o amor e a compreensão transcendem a linguagem verbal.

“Existem profissionais que utilizam métodos inadequados e até prejudiciais”

Crianças e adolescentes no espectro autista, em termos de educação e saúde, estão sendo desrespeitados, segundo Guilherme de Almeida, presidente da Autistas Brasil.

a sociedade mantém um olhar equivocado em relação ao autismo”

Foto: Jornal do Commercio / Divulgação

Transcrição do texto: Undime MG

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